"Costa Gomes e Cunhal evitaram guerra civil em Portugal em 1975"

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Entrevista Pires Veloso. autor do livro 'Vice-Rei do Norte'

Porquê só agora estas memórias?

A verdade é filha do tempo.

Essa verdade não podia ter sido revelada mais cedo?

Quer há dois anos quer no ano passado, os meus amigos do Porto ofereceram-me um grande jantar por esta altura e insistiram comigo para que eu falasse sobre o 25 de Novembro [de 1975]. Chegou a altura.

Foi comandante da Região Militar do Norte (RMN) em 1975 e teve um papel fundamental na contenção do PREC [Processo Revolucionário em Curso]. Chamaram-lhe na altura "Vice-Rei do Norte". O 25 de Novembro valeu a pena?

O 25 de Novembro era necessário para repor os ideais do 25 de Abril. Quando assumi o comando da RMN, a indisciplina era total. O general [Carlos] Fabião [chefe do Estado- -Maior do Exército em 1975] disse- -me: "Não sei se conseguirá entrar no quartel-general [do Porto], as pessoas não deixam." Respondi-lhe: "Se os portões estiverem fechados, aterro de helicóptero na parada." Mas não foi preciso.

O PCP tinha influência no quartel-general da RMN?

A influência do PCP era tal que Ângelo Veloso, o chefe comunista do Norte, tinha um cartão de livre-trânsito, emitido pelo Corvacho [anterior comandante, conotado com o PCP], para entrar e sair do quartel, de noite ou de dia, quando entendesse.

Como caracteriza a instituição militar dessa época?

Assistia-se ao esboroar das Forças Armadas. Era horrível. O País esteve à beira da guerra civil. Na noite de 25 de Novembro, centenas de membros do PCP estiveram em vários pontos de Lisboa à espera de armas. Não chegaram a recebê-las porque o Álvaro Cunhal mandou desmobilizá- -los após uma conversa com o presidente da República Costa Gomes. Ele avisou-o de que iria perder, até porque eu tinha dois mil homens disciplinados, prontos a intervir. A Força Aérea estava contra o PCP. E o Regimento de Comandos, de Jaime Neves, também.

Mas a Marinha era de esquerda.

Na altura, correu o rumor de que os marinheiros de Vale de Zebro iam "conquistar o Norte". Chamei o comandante da Marinha e disse-lhe: "Diga lá aos seus patrões que se os marinheiros passam o Paralelo de Peniche são afundados pelas bombas da nossa aviação."

Estava a fazer bluff?

Não. Se viessem, eram afundados.

Tinha confiança nos seus dois mil militares?

Total. Mas quando cheguei ao comando só 150 me obedeciam.

Como conseguiu dar a volta?

Foi fácil: ser humano, ser tolerante. Sem esquecer a base de actuação: respeitar a vontade da maioria da população do Norte.

Ainda não tinha havido eleições. Como aferia essa vontade?

Falava com as pessoas. Não tinha dúvidas. Por isso me deram o cognome de "Vice-Rei do Norte".

Com que militares estavam em articulação, ao nível do comando?

Com o Jaime Neves - falávamos quase todos os dias. Com o presidente. E vários outros: Loureiro dos Santos, Firmino Miguel, Vasco Lourenço... Com o comando onde estavam o Eanes, o Tomé Pinto e o Garcia dos Santos praticamente nunca falei. Isso foi tudo prefabricado para fazer do Eanes um herói, que até já vem nos livros escolares. Ele não fez nada!

Então quem foi o cérebro do contragolpe?

O Costa Gomes.

Mas era um homem hesitante...

Era. Fazia um jogo. Mas esse jogo era inteligente. Conseguiu evitar a guerra civil. Ele e o Cunhal, ao perceber que os meus homens e o Regimento de Comandos davam cabo deles.

Como conseguiu calar o major Durand Clemente [porta-voz dos golpistas de extrema-esquerda] na noite de 25 de Novembro?

Dei ordens para que fossem desligados os emissores da Lousã e transferida a emissão da RTP para o Porto. A determinada altura, perguntaram- -me: "O que havemos de pôr na televisão?" Respondi: "Fados e guitarradas, e música popular."

Era como se fosse o director de programas...

Era o "Vice-Rei do Norte"! Meteu-se um bocado de ordem naquilo.

O que sente quando lhe chamam "Vice-Rei" ainda hoje?

Sinto orgulho.

É como uma condecoração?

É uma condecoração maior do que essas que costumam dar por aí a toda a gente.

Costuma votar?

Sempre.

Vota sempre para o mesmo lado?

Vou mudando. Entre o PSD e o PS.

Os militares são bem tratados?

Não. Os militares andam a ser tratados com muito desprezo, como se não prestassem. Isto gera mal-estar. Estão a mexer num vespeiro.

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